O
futurismo foi um movimento artístico surgido na Itália em 1909. No dia 20 de
fevereiro deste ano, o poeta Filippo Tomaso Marinetti (1876-1944) publicou seu
“Manifesto Futurista” no jornal Le Figaro,
o mais conservador dos periódicos franceses. Ele o escreveu nesta mesma
língua, evidenciando sua intenção de tornar este movimento internacional e não
apenas restrito à Itália. Ele começou como uma tentativa de reformar a
literatura, mas rapidamente abrangeu várias áreas: a música, com Luigi Russolo,
a escultura com Severini, a pintura com Carlo Carrá, Boccioni, Giacomo Balla, a
arquitetura com Sant Elia que produziu diversos esboços de cidades “futuristas”
cheias de aço, concreto, velocidade e modernidade.
O
termo “futurismo” nos remete às especulações e tentativas de previsões sobre o
futuro, o qual se reflete intensamente no cinema e na literatura. Marinetti e
seus colegas acreditavam estar profetizando o futuro, como vemos no excerto abaixo
“A
palavra “futuro”, carregada como é, tem raiz etimológica no futurus latino, que é o particípio
futuro de esse (ser). Sua origem
verbal enfatiza a ideia de “aquilo que há a ser depois”. Embora haja uma
inevitável referência ao verbo na concepção da ficção científica do futuro como
um lugar, ela não porta uma noção tão clara do significado existencial da
palavra e, assim, de seu enraizamento na “experiência do presente em
movimento””. (HUMPHREYS, 1999; p. 9).
A
arte futurista visa divorciar-se do passado, livrar-se da arte clássica
renascentista italiana- a “arte de museu”- e exaltar o glorioso futuro. Os
futuristas produziram sua arte em um contexto sociopolítico por deveras
interessante. A Itália foi unificada em 1870 após muitos anos de luta. Era uma
nação jovem com um crescente senso de nacionalidade. Havia uma grande
disparidade social entre o norte industrial, rico, e o sul agrário e pobre. A
nação quis firmar-se como potência, por isso entrou na corrida imperialista,
concorrendo com o poderia da França, Grã-Bretanha e Alemanha. Para conquistar
um lugar no rol das potências europeias, a Itália começou a sua revolução
industrial. Os tempos estavam mudando. Novas tecnologias transformavam o mundo:
“Em 1894, o italiano Guglielmo Marconi, naturalmente
um herói futurista, inventou um aparelho que transmitia ondas
eletromagnéticas e, em 1904, sua nova empresa estabeleceu a primeira agência de
notícias transatlânticas em fio. As possibilidades oferecidas por essa
tecnologia sugeriam uma nova rede de ondas invisíveis a atravessar o mundo e a
romper com o tempo vagaroso e unilinear do passado. Com o desenvolvimento rival
do telefone, surgiu uma nova consciência do mundo como uma interação dinâmica
de eventos simultâneos, geralmente a milhares de quilômetros de distância, mas
que podiam ser experimentados em um instante. Os comentaristas contemporâneos
não perderam de vista as ramificações sociais de tais transformações, sendo que
não foram poucos os que anteciparam a “aldeia global” descrita, muitos anos
depois, pelo teórico cultural canadense Marshall McLuhan. Com o desenvolvimento
da fotografia e do cinema nesse período, houve uma nova experiência do
instantâneo e do simultâneo que fascinou diversos artistas e escritores (...)” (HUMPHREYS,
Richard; Futurismo; Coisac & Naify; 1994; p. 15).
Capa de Zang, Tumb, Tumb, de autoria de Marinetti.
1914, Biblioteca da Tale Gallery, Londres.
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O
dinamismo e a velocidade estão sempre presentes nas pinturas e poesias
futuristas. A poesia não possui aquela estrutura tradicional de versos e
estrofes. As palavras são “desenhadas” formando um desenho, uma figura. É
constante o uso de onomatopeias para reproduzir o som dos motores. É imitada a
escrita das máquinas tipográficas usadas na época. Na capa ao lado, vemos as
palavras “Parole in Liberta”. Elas
são um dos lemas do movimento e significam: “Liberdade para as palavras”.
“1.
Queremos cantar o amor do perigo, o hábito à energia e à temeridade.
2.
A coragem, a audácia e a rebelião serão elementos essenciais da nossa poesia.
3.
Até hoje a literatura tem exaltado a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono. Queremos
exaltar
o movimento agressivo, a insônia febril, a velocidade, o salto mortal, a
bofetada e o murro.
4.
Afirmamos que a magnificência do mundo se enriqueceu de uma beleza nova: a
beleza da velocidade. Um carro de corrida adornado de grossos tubos semelhantes
a serpentes de hálito explosivo... um automóvel rugidor, que parece correr
sobre a metralha, é mais belo que a Vitória de Samotrácia.
5.
Queremos celebrar o homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a
Terra, lançada a toda velocidade no circuito de sua própria órbita.”, diz
o extasiado e fálico Marinetti em seu Manifesto.
Os futuristas vislumbram esse glorioso
futuro cheio de aço e concreto e o recebem de braços abertos. Sua linguagem na
poesia é violenta, pois eles querem exterminar o passado cultural da Itália.
Isso ilustra o espírito da Modernidade, uma era de otimismos em que o mundo
estava extasiado pelas maravilhas tecnológicas que não paravam de surgir. Eles
sonhavam com um mundo uniforme e totalmente industrializado. Possuir um
automóvel era visto como símbolo da liberdade pessoal. Talvez os futuristas
estivessem antevendo a sociedade de consumo.
Além da já citada desvalorização da
cultura passada, os futuristas eram amoralistas e machistas. Essa primeira
característica provém da influência que o filósofo alemão Friedrich Wilheim
Nietzsche (1844-1900) exerceu sobre eles. Sua declaração de que “Deus está
morto” provocou uma reviravolta em toda a cultura ocidental. Nietzsche
repudiava toda a cultura e moral cristãs. Em um mundo sem Deus, as antigas
crenças e valores já não tinham mais sentido. Então, Nietzsche propõe o
conceito de “super-homem”, um homem que inventaria os seus próprios valores e erguer-se-ia
acima da mediocridade da sociedade de sua época. Tornar-se um “super-homem” foi
o que motivou os futuristas a inovar. Nietzsche
é um filósofo muito conhecido, porém pouco compreendido. Portanto, suas ideias
foram muitas vezes erroneamente interpretadas e reeditadas e chegaram a ser
usadas para justificar a suposta superioridade ariana, o que é uma falácia
porque Nietzsche rejeita qualquer pensamento nacionalista. Assim como os
nazistas, os futuristas também o interpretaram a seu bel prazer.
Apesar de o futurismo deixar explícito o
machismo em seu Manifesto, houve
mulheres feministas como a francesa Valentine de Saint-Point, poetisa e
dançarina.
Para os futuristas, “a guerra é a única
higiene do mundo”. O militarismo é idolatrado. Muitos futuristas
identificaram-se com o fascismo, sendo Marinetti o mais convicto deles.
Os futuristas utilizaram a propaganda
para espalhar suas ideias: cinema, música, poesia, pintura e palestras
ministradas por Marinetti a jovens estudantes.
Os futuristas acreditavam tanto em seus
ideais que eles alistaram-se no exército italiano durante a Primeira Guerra
Mundial. Nem mesmo durante a guerra real, Marinetti perde seu fálico entusiasmo
de glorificá-la. A guerra levou Sant Elia e Boccioni, os melhores artistas do
movimento. Outros o abandonaram. Com o movimento desfalcado, ele começou a
declinar. Mesmo assim, Marinetti continuou ativo no meio artístico e cultural.
A
Itália venceu a guerra, mas não recebeu nada em troca dos seus aliados: a
França, Grã-Bretanha e dos EUA. A pobreza e a insatisfação espalharam-se pela
península itálica. Aproveitando-se
disso, surgiu um movimento ideologicamente similar ao socialismo, mas que na
prática é bem diferente: o fascismo, liderado por Benito Mussolini. Ele
conseguiu canalizar a insatisfação de toda a sociedade, e em 1922, após a
“Marcha sobre Roma” ele toma o poder absoluto. Marinetti sempre o apoiou,
contudo as relações entre o fascismo e o futurismo eram por deveras
interessantes: Mussolini apreciava e incentivava alguns aspectos do futurismo,
mas era abertamente hostil a outros. Até o fim do fascismo em 1945, o futurismo
foi tolerado, todavia foi lentamente exaurindo-se com o tempo. Houve exposições
e novas pinturas futuristas, mas os artistas novos eram bem menos
impressionantes e talentosos quanto os de antigamente. Já nas décadas de 30 e 40, o que antes era um
movimento organizado com adeptos e inspirados em toda a Europa, agora era
apenas uma débil propaganda fascista e antissemita. Filipo Tomaso Marinetti
morreu em 2 de dezembro de 1944 em Bellagio, sozinho, ele e a sua arte.
No Brasil, o futurismo inspirou Di
Cavalcante, Anita Malfatti e Oswald de Andrade durante a Semana de Arte Moderna
de 1922. O futurismo também inspirou o “vorticismo” no Reino Unido, cujo maior
artista foi Wyndham Lewis. Também
influenciou os artistas russos Kazimir Malevich, Natalia Goncharova, Mikhail
Larionov e o famoso poeta Vladimir Maiakovski. Todos esses movimentos duraram
até a Primeira Guerra Mundial. Luigi Russolo produziu música com ruídos de
motores e foi o pioneiro da atual música eletrônica.
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