quarta-feira, 2 de julho de 2014

Introdução ao futurismo

  O futurismo foi um movimento artístico surgido na Itália em 1909. No dia 20 de fevereiro deste ano, o poeta Filippo Tomaso Marinetti (1876-1944) publicou seu “Manifesto Futurista” no jornal Le Figaro, o mais conservador dos periódicos franceses. Ele o escreveu nesta mesma língua, evidenciando sua intenção de tornar este movimento internacional e não apenas restrito à Itália. Ele começou como uma tentativa de reformar a literatura, mas rapidamente abrangeu várias áreas: a música, com Luigi Russolo, a escultura com Severini, a pintura com Carlo Carrá, Boccioni, Giacomo Balla, a arquitetura com Sant Elia que produziu diversos esboços de cidades “futuristas” cheias de aço, concreto, velocidade e modernidade.
  O termo “futurismo” nos remete às especulações e tentativas de previsões sobre o futuro, o qual se reflete intensamente no cinema e na literatura. Marinetti e seus colegas acreditavam estar profetizando o futuro, como vemos no excerto abaixo
  “A palavra “futuro”, carregada como é, tem raiz etimológica no futurus latino, que é o particípio futuro de esse (ser). Sua origem verbal enfatiza a ideia de “aquilo que há a ser depois”. Embora haja uma inevitável referência ao verbo na concepção da ficção científica do futuro como um lugar, ela não porta uma noção tão clara do significado existencial da palavra e, assim, de seu enraizamento na “experiência do presente em movimento””. (HUMPHREYS, 1999; p. 9).
  A arte futurista visa divorciar-se do passado, livrar-se da arte clássica renascentista italiana- a “arte de museu”- e exaltar o glorioso futuro. Os futuristas produziram sua arte em um contexto sociopolítico por deveras interessante. A Itália foi unificada em 1870 após muitos anos de luta. Era uma nação jovem com um crescente senso de nacionalidade. Havia uma grande disparidade social entre o norte industrial, rico, e o sul agrário e pobre. A nação quis firmar-se como potência, por isso entrou na corrida imperialista, concorrendo com o poderia da França, Grã-Bretanha e Alemanha. Para conquistar um lugar no rol das potências europeias, a Itália começou a sua revolução industrial. Os tempos estavam mudando. Novas tecnologias transformavam o mundo: “Em 1894, o italiano Guglielmo Marconi, naturalmente um herói futurista, inventou um aparelho que transmitia ondas eletromagnéticas e, em 1904, sua nova empresa estabeleceu a primeira agência de notícias transatlânticas em fio. As possibilidades oferecidas por essa tecnologia sugeriam uma nova rede de ondas invisíveis a atravessar o mundo e a romper com o tempo vagaroso e unilinear do passado. Com o desenvolvimento rival do telefone, surgiu uma nova consciência do mundo como uma interação dinâmica de eventos simultâneos, geralmente a milhares de quilômetros de distância, mas que podiam ser experimentados em um instante. Os comentaristas contemporâneos não perderam de vista as ramificações sociais de tais transformações, sendo que não foram poucos os que anteciparam a “aldeia global” descrita, muitos anos depois, pelo teórico cultural canadense Marshall McLuhan. Com o desenvolvimento da fotografia e do cinema nesse período, houve uma nova experiência do instantâneo e do simultâneo que fascinou diversos artistas e escritores (...)” (HUMPHREYS, Richard; Futurismo; Coisac & Naify; 1994; p. 15).
Capa de Zang, Tumb, Tumb, de autoria de Marinetti.
1914, Biblioteca da Tale Gallery, Londres.
  O dinamismo e a velocidade estão sempre presentes nas pinturas e poesias futuristas. A poesia não possui aquela estrutura tradicional de versos e estrofes. As palavras são “desenhadas” formando um desenho, uma figura. É constante o uso de onomatopeias para reproduzir o som dos motores. É imitada a escrita das máquinas tipográficas usadas na época. Na capa ao lado, vemos as palavras “Parole in Liberta”. Elas são um dos lemas do movimento e significam: “Liberdade para as palavras”. 


1. Queremos cantar o amor do perigo, o hábito à energia e à temeridade.
2. A coragem, a audácia e a rebelião serão elementos essenciais da nossa poesia.
3. Até hoje a literatura tem exaltado a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono. Queremos
exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, a velocidade, o salto mortal, a bofetada e o murro.
4. Afirmamos que a magnificência do mundo se enriqueceu de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um carro de corrida adornado de grossos tubos semelhantes a serpentes de hálito explosivo... um automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais belo que a Vitória de Samotrácia.
5. Queremos celebrar o homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada a toda velocidade no circuito de sua própria órbita.”, diz o extasiado e fálico Marinetti em seu Manifesto.

Os futuristas vislumbram esse glorioso futuro cheio de aço e concreto e o recebem de braços abertos. Sua linguagem na poesia é violenta, pois eles querem exterminar o passado cultural da Itália. Isso ilustra o espírito da Modernidade, uma era de otimismos em que o mundo estava extasiado pelas maravilhas tecnológicas que não paravam de surgir. Eles sonhavam com um mundo uniforme e totalmente industrializado. Possuir um automóvel era visto como símbolo da liberdade pessoal. Talvez os futuristas estivessem antevendo a sociedade de consumo.
Além da já citada desvalorização da cultura passada, os futuristas eram amoralistas e machistas. Essa primeira característica provém da influência que o filósofo alemão Friedrich Wilheim Nietzsche (1844-1900) exerceu sobre eles. Sua declaração de que “Deus está morto” provocou uma reviravolta em toda a cultura ocidental. Nietzsche repudiava toda a cultura e moral cristãs. Em um mundo sem Deus, as antigas crenças e valores já não tinham mais sentido. Então, Nietzsche propõe o conceito de “super-homem”, um homem que inventaria os seus próprios valores e erguer-se-ia acima da mediocridade da sociedade de sua época. Tornar-se um “super-homem” foi o que motivou os futuristas a inovar.  Nietzsche é um filósofo muito conhecido, porém pouco compreendido. Portanto, suas ideias foram muitas vezes erroneamente interpretadas e reeditadas e chegaram a ser usadas para justificar a suposta superioridade ariana, o que é uma falácia porque Nietzsche rejeita qualquer pensamento nacionalista. Assim como os nazistas, os futuristas também o interpretaram a seu bel prazer.
Apesar de o futurismo deixar explícito o machismo em seu Manifesto, houve mulheres feministas como a francesa Valentine de Saint-Point, poetisa e dançarina.
Para os futuristas, “a guerra é a única higiene do mundo”. O militarismo é idolatrado. Muitos futuristas identificaram-se com o fascismo, sendo Marinetti o mais convicto deles.
Os futuristas utilizaram a propaganda para espalhar suas ideias: cinema, música, poesia, pintura e palestras ministradas por Marinetti a jovens estudantes.
Os futuristas acreditavam tanto em seus ideais que eles alistaram-se no exército italiano durante a Primeira Guerra Mundial. Nem mesmo durante a guerra real, Marinetti perde seu fálico entusiasmo de glorificá-la. A guerra levou Sant Elia e Boccioni, os melhores artistas do movimento. Outros o abandonaram. Com o movimento desfalcado, ele começou a declinar. Mesmo assim, Marinetti continuou ativo no meio artístico e cultural.
  A Itália venceu a guerra, mas não recebeu nada em troca dos seus aliados: a França, Grã-Bretanha e dos EUA. A pobreza e a insatisfação espalharam-se pela península itálica.  Aproveitando-se disso, surgiu um movimento ideologicamente similar ao socialismo, mas que na prática é bem diferente: o fascismo, liderado por Benito Mussolini. Ele conseguiu canalizar a insatisfação de toda a sociedade, e em 1922, após a “Marcha sobre Roma” ele toma o poder absoluto. Marinetti sempre o apoiou, contudo as relações entre o fascismo e o futurismo eram por deveras interessantes: Mussolini apreciava e incentivava alguns aspectos do futurismo, mas era abertamente hostil a outros. Até o fim do fascismo em 1945, o futurismo foi tolerado, todavia foi lentamente exaurindo-se com o tempo. Houve exposições e novas pinturas futuristas, mas os artistas novos eram bem menos impressionantes e talentosos quanto os de antigamente.  Já nas décadas de 30 e 40, o que antes era um movimento organizado com adeptos e inspirados em toda a Europa, agora era apenas uma débil propaganda fascista e antissemita. Filipo Tomaso Marinetti morreu em 2 de dezembro de 1944 em Bellagio, sozinho, ele e a sua arte.

No Brasil, o futurismo inspirou Di Cavalcante, Anita Malfatti e Oswald de Andrade durante a Semana de Arte Moderna de 1922. O futurismo também inspirou o “vorticismo” no Reino Unido, cujo maior artista foi Wyndham Lewis. Também influenciou os artistas russos Kazimir Malevich, Natalia Goncharova, Mikhail Larionov e o famoso poeta Vladimir Maiakovski. Todos esses movimentos duraram até a Primeira Guerra Mundial. Luigi Russolo produziu música com ruídos de motores e foi o pioneiro da atual música eletrônica.  

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